terça-feira, 2 de julho de 2013

No cotidiano, continha um dano.

"Só cinco minutos, eu consigo, é só manter o ritmo!" Ela dizia enquanto corria apressada pela rua. Havia chovido, e sua mão estava ocupada com o dinheiro do ônibus, a bolsa, e o guarda-chuva, que impedia o contato direto da água em sua cabeça.
Ao pensar sobre alguma decepção amorosa que seu coração volta e meia a lembrava - e independente da decepção, a pontada de dor parecia permanecer a mesma - ela acabou se distraindo e diminuindo o passo, e por segundos, não alcançara o ônibus que almejava pegar.
"FILHO DUMA PUTA!" Ela bradou, mais alto do que o comum, e uma parte dentro de si se perguntava se o destinatário de seu xingamento era realmente o pobre transporte público. Pensou em desistir, pensou em voltar pra casa, pensou em ir por um outro caminho. Já estava se sentindo mais derrotada do que nunca - pudera, a vida havia sido dura com ela nos últimos tempos, meses, anos - e não entendera quando o enjoo começou a surgir. O nó que na garganta morava já não tinha mais forças para avisar a jovem que aquela fase da vida estava insuportável de se viver.
Uma vontade imensa de desistir das coisas e encontrar com o acaso na esquina começava a tomar conta dos seus desejos. Afinal, ela poderia suportar tudo, menos o fato de que queria chorar porque perdera sua condução, e a faria chegar atrasada na aula novamente.
Mas ela também sabia que encontrar com o acaso era questão de sorte. Quem disse que o bom acaso sempre está à espreita? Ela tentara isso diversas vezes, e sabe muito bem que a sensação de vazio lhe abraçava à noite, toda vez que sua cabeça alcançava o travesseiro.
Mas uma voz dentro de si disse "Não vai... Fica...". Resolveu persistir. Saberia mais tarde se era no erro, ou no acerto. Saberia também que vida é coisa tão indescritível que os dois termos antagônicos não descreviam momentos assim.
Chegou no seu destino, depois de muito receber chuva na cara. Não fazia mal; na verdade, ela gostava assim. Para sua surpresa, a professora não se encontrava. Em seu lugar, uma monitora refazia a prova dada na semana passada, e apenas uma correção em grupo foi feita. Matéria fácil, uma nota boa coloriu seu dia. Pelo menos se sentia aceita em um parâmetro que a importava.
Na hora de ir embora, as colegas insistiram num bom lanche em grupo. Estavam animadas, e sorrisos e gargalhadas corriqueiras não faltaram. Apesar da intimidade, sentia-se como um apêndice pendurado naquele meio. Poderia ser removido a qualquer hora, e a verdade era que não faria falta alguma. Convivia com esta noção há algum tempo, e aceitava da forma mais tranquila que pudera.
Ao parar no ponto de ônibus, finalmente à caminho de casa, decidiu sair um pouco da rotina e finalmente enfrentar o acaso que lhe cabia: pegara um ônibus que não fugia muito da sua rota, mas mudava em alguma coisa seu retorno ao lar. E mudou, de fato.
Esbarrara com um amigo que há muito não via e por estranho que pareça, a amizade não era de longa data, mas a sensação sim. Gostava quando esses tipos de laços apareciam repentinamente na sua vida para fortalecer a caminhada.
Estranhamente, seu companheiro que sempre emanava uma alegria ímpar, se encontrava pra baixo. Com algumas brincadeiras, palavras e gestos, ela viu uma oportunidade de retribuir um antigo favor que devia ao jovem; o colo humano cala a dor quando ela chega no limite. Era disso do que o rapaz precisava no momento. Aliás, ela muito se perguntava se era apenas ela que achava um absurdo todos aqueles que recusavam um abraço sincero.
Ficou refletindo sobre estas questões quando o amigo desceu do ônibus, pois seu caminho, como o de qualquer outra pessoa, diferenciava e mudava de rumo em algum ponto da vida.
Logo mais descera também, e desejara boa sorte àqueles que ficavam naquela rota, tomando outros mil e um caminhos distintos. Encaminhou-se para casa, pensando em como precisava abraçar-se e mergulhar dentro de si mesma. E isso, de todas as formas possíveis que existissem. O corpo pedia compreensão, a mente pedia descanso. A alma, arrego. O coração, paz.
A sensação de não pertencimento ia embora quando a música se fazia presente. Olhava a sua volta, e via poucos pontos de luz como o seu. Não sabia se isso era bom ou ruim de fato. E passava a crer que independente dessa classificação, só queria estar perto de seus iguais, que sentiam e compreendiam a magia do meio ao redor, como ela fazia.
Ainda que xingasse ônibus, ex-namorados, atuais romances, familiares, à si mesma, ao mundo e até mesmo alguma Divindade, ela tinha total direito de fazê-lo. Ela sabia que voltar pra casa sempre lhe fazia bem. Ela sabia que poderia voltar atrás. Pedir desculpas nunca foi seu forte, mas o tempo e os encontros violentos com a vida ensinaram que há coisas piores.
Terminava seu dia esperançosa, ainda que não tivesse motivos palpáveis para tal. E se sempre voltava pra casa, é porque antes, sempre saía para o mundo. E para isto, ela estava disposta a fazer, de novo, de novo e de novo...
Pois é no mundo que encontravam-se não só respostas para antigos questionamentos; mas novas perguntas. E era a sede que a movia, de qualquer maneira. "Que isto nunca se acabe." Era o desejo que a norteava, antes de dormir e acordar num novo dia.


2 comentários:

Marco Antonio de Moraes disse...

Eu te enxerguei claramente nas situações do cotidiano descritas neste texto.

Lully disse...

É, sou eu! rs